sábado, 20 de agosto de 2011

O Espírito do Rádio


Éramos uma família pobre. Sempre fomos e ainda somos.
Nunca tivemos maiores problemas, como passar fome ou algo assim mais agudo, mas sempre vivemos correndo atrás da máquina.
Minha mãe era professora primária estadual e essa definição, infelizmente, não precisa de maiores explicações no quesito finanças. Meu pai se aposentou cedo, ainda antes de eu nascer, por invalidez: teve depressão, foi internado, coisas da época.
Assim, vivíamos com o salário da mãe, a aposentadoria do pai e mais um dinheiro que nunca soube se entrava ou se saía de um armazém que tínhamos na casa da minha avó, beira de faixa, lá no Caí.
Desde pequeno eu ajudava no armazém. Muito a contra gosto, assumi o balcão da bodega quando tinha uns 14, 15 anos. Naquele ano, 1989, meu irmão Beto foi morar em Minas Gerais e eu tomei conta do quarto dele e de tudo o que ele havia deixado para trás.
Assim, fracionava meus dias em estudar de manhã na Escola Normal (hoje Instituto Paulo Freire), cuidar da bodega de tarde e esmiuçar o botim que me havia caído em mãos com a tomada do quarto do Beto.
Os tesouros eram vários: uma cama de ferro que era do meu pai, uma caixa com livros (o Diário da Bolívia do Che era um deles), cartas das namoradas (do Beto, é claro), várias Playboys (Magda Cotrofe, Monique Evans, ai, ai), dois pôsteres na parede (Beatles e Kiss, mistura estranha, mas cavalo dado...), uma espingarda calibre 20 desativada e o bem mais precioso de todos: um rádio Philco Ford, modelo Transglobe, 9 faixas, pretão, que o Beto havia tomado de um peão do meu tio por uma conta antiga no boteco.
Naquelas tardes enfadonhas e nas noites solitárias, o Radião, como era chamado, foi o meu companheiro mais presente.
Minha mãe já o levava de manhã para o armazém, para ouvir as notícias na Gaúcha. Quando eu abria a bodega na parte da tarde, ligava o bichinho na Ipanema FM e assim ele seguia até as dez, onze da noite, quando apagávamos, eu e o Radião.
Só pra esclarecer: não tínhamos outro rádio, nem “três em um” ou toca-discos, portanto, éramos uma família radiofônica. Nem mesmo a TV tinha tanto destaque na minha vida por esses dias.
Como não podia deixar de ser, o Beto sempre foi minha referência na infância. Para o bem e para o mal, diga-se de passagem. E como o alemão escutava direto a Ipanema, com nove anos eu e o Roveda já berrávamos “Nicotina” dos Replicantes o dia inteiro, para desespero das mães das criaturas (que bagaceirada esses guri tão virando!).
Mas foram nesses dias longos e monótonos que aprendi a gostar de música, de rock, de coisas diferentes como Velvet Underground, Violeta de Outono e Jane`s Addicition, ou de música popular gaúcha, como o Nei Lisboa, sem falar dos roquinhos do TNT, dos Cascavelletes, De Falla e da Bandaliera (antes do Alemão Ronaldo cantar coversinhos por aí, mas isso é outra história).
Assumi de vez uma postura rocker. Deixei o cabelo crescer (um ninho de abelhas), fumava Malboro (obrigado Slash, por me tornar um viciado...) e apertei a tecla “F” do painel de controle.
Escrevo isso tudo porque nessa semana a rádio Ipanema FM, do grupo Bandeirantes, como se fosse um João Kleber ou um Sérgio Mallandro, montou uma “pegadinha” com os ouvintes, espalhando que iria mudar de perfil e tal.
Confesso que por conta da correria não escuto mais tanto rádio, soube isso pelas redes sociais. Mas que me deu um baita aperto no peito e uma nostalgia me bateu forte, ah isso bateu.
Me vieram à mente as vozes da Kátia Suman, da Meri Mezzari, Nilton Fernando, Mauro Borba e percebi que essas pessoas, muitas das quais nunca vi, fizeram parte da minha adolescência e de todos os sonhos e pesadelos que tive, escorado naquele balcão às margens da RS-122, vendo a vida passar da janela.

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