segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Lanceiros, Farrapos, trapos e outros bichos...


Sempre quando chega a Semana Farroupilha, recomeça a eterna arenga entre tradicionalistas e historiadores sobre qual o real sentido destas comemorações. De um lado e do outro são feitas acusações de falsidade, manipulação e mau hálito.
Como aprendiz de feiticeiro, me sinto um tanto incomodado com esse diz-que-diz-que, pois esse tema me é caro por considerá-lo um dos melhores exemplos de como somos todos, de alguma forma, confusos em nossas certezas, tanto as ridículas quanto as absolutas (pelo simples fato de assim serem).
Cavalos, pilchas, bigodes cuidadosamente deixados desde o começo de agosto e churrasco para alimentar a Somália rolam soltos no mês de setembro por todo o Rio Grande do Sul. O motivo? “Comemorar uma guerra perdida”, diríamos nós, historiadores críticos de todo o aparato ideológico que há por trás de tudo isso. “Ressaltar os valores farroupilhas” diz o MTG, orgulhoso sobre seu cavalo muito bem encilhado e com o mango pronto pra cantar no lombo de quem achar ruim.
A questão é: nem tanto ao céu nem tanto à terra...
Ta bom, se não há como negar que foi uma guerra perdida, que todo esse instrumental de indumentária, postura e tal são invencionices de um pequeno grupo de filhos de fazendeiros saudosos da vida no campo que, liderados pelo Paixão “Laçador” Cortes, inventa um Rio Grande e cria um herói chamado Gaúcho que, como em vários outros movimentos de construção identitária, tem sua gênese num passado idílico pastoril, livre e aventureiro, não se pode ignorar que as pessoas que lá estão nos piquetes e acampamentos realmente acreditam nesse ideal, assimilam valores morais como referências para a vida e são felizes de bota e bombacha, recriando um mundo que, se não existiu no plano real, é muito palpável na memória coletiva, no inconsciente de cada um e cada uma.
Agora vem o que considero a grande questão de toda essa polêmica. Que direito temos de desconstruir um mito que se baseia numa tríade de liberdade, igualdade e fraternidade entre os povos? Não são valores caros a toda a humanidade?
Bueno, se Bento Gonçalves deixou mais de 40 escravos de herança para a família, é no mínimo de se estranhar elevarmos o sujeito como símbolo de luta pela liberdade. Fora de qualquer questão, o que movia esses grandes líderes farrapos era o dinheiro. É uma guerra que desponta por disputa de poder dentro da província, de taxação sobre a principal mercadoria e de divergências que ultrapassam os limites do RS e pousam no movimento artiguista e na conjuntura político-econômica platina das primeiras décadas do século XIX.
Luta pela liberdade? Claro que houve. Milhares de negros pelearam como animais em função da promessa de liberdade depois da guerra, que não se cumpriu...
Mas, o que fazer então?
Bom, como a grande maioria dos gaúchos, também comungo com a emoção que é cantar o Hino Riograndense num estádio lotado ou ser leitor do bairrista.com e achar que aqui é o melhor lugar do mundo...
Por isso, digo que ser gaúcho é uma questão de fé esclarecida. “No creo en las brujas, pero que las hay, las hay!” diz o ditado. Assim me sinto na Semana Farroupilha: sei observar a movimentação toda de forma crítica, percebo as nuances ideológicas que construíram o tradicionalismo, o absurdo do culto à personalidade de sujeitos como Bento, Fontoura, Canabarro e outros, mas ali fico, com os olhos marejados, a admirar a cavalhada desfilando na avenida e toda aquela gente dizendo que a luta pela liberdade é uma luta digna...
Alguém pode negar que é?

Um comentário:

  1. Mazah! Baita texto, meu guri! Coloca em prática aquele preceito de que "jornalismo é fácil: basta escutar os dois lados e duvidar de ambos". Também compartilho de ideia mais ou menos similar sobre esse tema, mas vamos combinar, O Bairrista e o site da Polar.rs são ducaralho, hehehe

    ResponderExcluir